Cartoon de Kevin Kal Kallaugher
Chalhoub - Acho que sim. Por mais que tenhamos passado os últimos anos governados pelas fake news, nessa hora todo mundo espera a salvação pela ciência.
Espero que a epidemia ajude a desautorizar políticos levianos que têm governado várias partes do mundo com a arrogância da ignorância. Essa arrogância está agora sendo desmascarada por fatos trágicos.
No Brasil, a figura do presidente, que é uma caricatura disso, mostra como a ignorância é impotente contra a tragédia.
Não há solução fora de uma vacina, ou da descoberta de medicamentos eficazes, ou de seguir recomendações sanitárias que diminuam o estrago imediato.
Isso mudou em relação às epidemias dos séculos 19 e início do 20. Hoje há uma medicalização muito maior da sociedade e o entendimento da eficácia da medicina científica.
O que torna essa pandemia mais assustadora é que ela é uma metáfora perfeita da globalização. Ela segue a trilha das mercadorias e da circulação de pessoas de maneira tão radical e tão incontrolável quanto a ideologia neoliberal imaginava que a economia poderia ser.
Sempre houve uma relação direta entre a circulação de mercadorias e a de vírus e bactérias. A cólera e a febre amarela só viraram pandemias no século 19 quando os navios ficaram mais rápidos e quando começou a ter estrada de ferro.
Só que a pandemia atual é ainda mais rápida. Esse neoliberalismo agressivo que tomou conta das políticas econômicas internacionais criou outro problema, porque essas políticas diminuíram o Estado, e, de repente, os países se veem despreparados para lidar com uma crise aguda de saúde pública.
É por isso que ela também ataca o imaginário de forma tão radical. Ela coloca em questão todo um meio de vida e de pensar a economia nas últimas décadas, o Estado mínimo e a naturalização das desigualdades.