Bolsonaro constrói a figura de um sujeiro de ação capaz de agir não só contra a demarcação de terras indígenas, mas também para a desmarcação de terras.
"Em 2019 vamos desmarcar a reserva indígena X. Vamos dar fuzil e armas para todos os fazendeiros."
Impedir a ampliação das fazendas é algo visto como imoral, odioso e sancionável com a morte, construída não como assassinato autorizado, mas como a vitória sobre o "inimigo". Por meio da intimidação, o genocídio articula um não-poder, não-fazer a um dever fazer.
O discurso é construído como uma ameaça não só às pessoas indígenas, mas também ao Estado que, no lugar de dar armas aos fazendeiros, demarca as reservas e/ou trata os conflitos por meio do julgamento no STF e não por meio do genocídio. A operação discursiva enfatiza a coragem, a grandeza e a força da tirania sobre um fundo de covardia, pequenez e fraqueza do STF e da ordem democrática (plutocracy).
A antecipação do fazer genocida discursivizada potencializa a força e o impacto do sujeito da ação e, assim, do enunciador e de seus simpatizantes.
Desse modo, as declarações feitas à imprensa, ao público da internet (lives), a empresários e aos próprios indígenas apresentam-se como construções enunciativas preconceituosas que permitem entender essas falas como variantes de um discurso intolerante e fascista, cuja agência e eficácia situam-se na necrodiscursividade, a capacidade do enunciador de um dado discurso político de influenciar, por meio de manipulação retórica, agenciamentos que levam enunciatários a julgamentos e ações visando a violência e a aniquilação do outro.
No discurso intolerante de Bolsonaro, percebe-se a operação de recuperação de uma narrativa do "tempo antes de 1988" em que torturas, assassinatos, prisões, remoções, epidemias induzidas, laudos de aculturação e massacres são omitidos ou atenuados.
Há pouca competência do Estado em reconhecer sua responsabilidade pelo genocídio.