Sem teto provisoriamente dispostos como carros em estacionamento ao ar livre. Acontece em Las Vegas, onde os mais de cem hotéis da cidade também se encontram fechados por causa da emergência. Mas estão reservados para quem tem dinheiro. Desalojados em virtude de um contágio ocorrido no Catholic Charities, a instituição em que haviam encontrado abrigo, os sem teto foram colocados em ordem - a uma distância de segurança - cada um dentro de um retângulo branco desenhado sobre o cimento. Algumas pessoas com deficiência arrastavam suas cadeiras de rodas. As fotos são arrepiantes. O vírus acende impiedosamente os holofotes sobre o apartheid social.
Em Moira, na ilha de Lesbos, a vergonhosa porta de entrada para a Europa, os refugiados são amontoados em tendas de abrigos em ruínas. Chama-se de detenção administrativa: estão isolados atrás de barras e arames farpados, sem terem cometido crime algum. É a gestão policial da migração. Frio, fome, superlotação, falta de água: as condições higiênicos-sanitárias são ideais para a propagação da epidemia. Mas os sinais lançados por organizações humanitárias permanecem desprezados. A opinião pública europeia tem outras coisas em que pensar. E, no fundo, a guerra dos Estados nacionais contra os migrantes, apoiada e defendida por cidadãos orgulhosos e ciumentos de seus direitos, pode continuar imperturbável com alguns aliados a mais.
Na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi decretou lockdown da noite para o dia, sem nenhum aviso. Os primeiros a serem atingidos foram os migrantes internos - centenas de milhares. Sem mais trabalho, sem casa, tentaram pegar um meio de transporte, ainda disponível, para retornar das megalópoles às áreas rurais de origem. Mas o bloqueio já estava em vigor. Alguns se autoisolaram sobre árvores, sem medicamentos ou comida. Outros percorreram quilômetros e quilômetros a pé - uma fuga desesperada, registrada e narradas pelas mídias sociais, por canais de tv, por jornais. Ao lado dos migrantes, entre as vítimas, estão os dalit, os sem-casta, os últimos dos últimos, os oprimidos que antes eram chamados de intocáveis, porque associados a atividades impuras e, portanto, discriminados.
Pobres e marginalizados não despertam compaixão; provocam, ao contrário, uma mistura de raiva, desaprovação, medo. O pobre não é digno de redenção, pois é o consumidor fracassado, um sinal de subtração e não de adição no complexo cálculo orçamentário, bem como o pária é apenas um inútil buraco negro. Qualquer responsabilidade por seu destino é declinada a priori, enquanto a caridade é um impulso ocasional.
O cordão sanitário do descomprometimento corre o risco de se ampliar sem controle. A disparidade entre protegidos e indefesos, que desafia qualquer ideia de justiça, nunca foi tão flagrante e descarada como na crise causada pelo coronavírus.