Por que os livre-pensadores fazem o processo do cristianismo e acreditam extinta a crença em deus, base fundamental das religiões, seja qual for seu nome? Supõem a burguesia, classe a que pertencem, pode prescindir do cristianismo, do qual é uma manifestação evidente? Embora tenha podido adaptar-se a outras formas sociais, o cristianismo é, por excelência, a religião das sociedades que se fundam sobre as bases da propriedade individual e da exploração do trabalho assalariado. Por isso foi, é e será, diga-se o que se disser, a religião da burguesia. O mundo econômico proporciona ao burguês insondáveis mistérios que os economistas se resignam a não aprofundar. O capitalista, que graças aos sábios, conseguiu dominar as forças naturais, fica pasmado ante o efeito incompreensível das forças econômicas e as considera invencíveis, como o é deus, e deduz que o mais prudente é suportar com resignação as desgraças que produzem e aceitar as vantagens que ocasionam. Como disse Jó: "o Eterno me deu, o Eterno me tirou, bendito seja o nome do Eterno". As forças econômicas lhe parecem fantásticas, como seres benéficos e maléficos. Os antropólogos atribuem a bruxaria, a crença na alma, nos espíritos e em deus, do homem primitivo, ao seu desconhecimento do mundo natural. A mesma explicação é aplicável ao homem civilizado: suas ideias espiritualistas e sua crença em deus devem ser atribuídas à sua ignorância do mundo social. Os incompreensíveis e insolúveis problemas sociais fazem deus tão necessário, que o teriam inventado se não houve existido.
Paul Lafargue | 1887