Pular para o conteúdo principal

À parte das coisas

Money & religion, segregation & division
your dirty cash in the pockets of the wicked politicians
lobbying for slavery in a new and modern way

É preciso uma considerável dose de inconsciência para entregar-se sem reservas a qualquer coisa. Os crentes, os apaixonados, os discípulos, só percebem uma face de suas deidades, de seus ídolos, de seus mestres. O entusiasta permanece inelutavelmente ingênuo. Há sentimento puro onde a mescla de graça e imbecilidade não se traia, e admiração devota sem eclipse da inteligência? Quem entrevê simultaneamente todos os aspectos de alguém ou de algo permanece para sempre indeciso entre o arrebatamento e o estupor. Disse que qualquer crença: que fausto do coração — e quanta ignomínia por baixo! É o infinito sonhado em um esgoto e que conserva, indeléveis, sua marca e seu fedor. Há um notário em cada santo, um quitandeiro em todo herói, um porteiro no mártir. No fundo dos suspiros esconde-se uma careta; aos sacrifícios e às orações misturam-se os vapores do bordel terrestre. Consideremos o amor: há expansão mais nobre, arrebatamento menos suspeito? Seus estremecimentos competem com a música, rivalizam com as lágrimas da solidão e do êxtase: é o sublime, mas um sublime inseparável das vias urinárias: transportes vizinhos à excreção, céu das glândulas, santidade súbita dos orifícios… Basta um momento de atenção para que essa embriaguez, abalada, nos lance nas imundícies da fisiologia, ou um instante de fadiga para constatar que tanto ardor só produz uma variedade de ranho. O estado de vigília altera o sabor de nossos arroubos e transforma quem os sofre em um visionário pisoteando pretextos inefáveis. Não se pode amar e conhecer ao mesmo tempo, sem que o amor padeça e expire sob o olhar do espírito. Investigue suas admirações, perscrute os beneficiários de seu culto e os que se aproveitam de seus abandonos: sob seus pensamentos mais desinteressados descobrirá o amor-próprio, o aguilhão da glória, a sede de domínio e de poder. Todos os pensadores são fracassados da ação que se vingam de seu fracasso por meio de conceitos. Nascidos aquém dos atos, os exaltam ou os menosprezam, conforme aspirem ao reconhecimento dos homens ou à outra forma de glória: seu ódio; elevam indevidamente suas próprias deficiências, suas próprias misérias à categoria de leis, sua futilidade ao nível de princípios.

O pensamento é uma mentira, como o amor e a fé. Pois as verdades são fraudes e as paixões, odores; e, no final das contas, a escolha está entre o que mente e o que fede.

Emil Cioran
1911 - 1995

Postagens mais visitadas deste blog

O divino

O Dalai Lama saiu em defesa dos testes termonucleares recentemente realizados pelo Estado indiano, e o fez utilizando a mesma linguagem dos partidos chauvinistas que hoje controlam os negócios do país. Os países "desenvolvidos", diz ele, precisam se dar conta de que a Índia é um grande adversário e não se preocupar com seus assuntos internos. Essa é uma perfeita afirmação de realpolitik , tão grosseira, banal e oportunista que não merecia qualquer comentário se viesse de outra fonte. "Pense diferente", diz o incorreto anúncio dos computadores da Apple que exibe a expressão serena de Sua Santidade. Entre as suposições não confirmadas dessa campanha de cartazes está a crença ampla e preguiçosamente sustentada de que a fé "oriental" é diferente de outras religiões: menos dogmática, mais contemplativa, mais... transcendental. Essa bem-aventurada, irrefletida excepcionalidade foi transmitida ao Ocidente por intermédio de uma sucessão de meios e narrativas, vari

Teocracia

Não adianta escrever em inglês verdades como   your heaven's a lie . O raio de alcance de uma educação laica foi anulada por políticos que veem na religião nada mais que uma utilidade de explorar a massa. A massa condicionada a aceitar valores impostos de cima não procura soluções de melhoria de sua própria condição sócio-econômica. Não há projeto algum desenhado. Isso é tão verdadeiro que basta entrar em qualquer página digital dos funcionários do Estado, do ministro ao subalterno. Preocupações por construir espaços alternativos não estão na agenda de ninguém. Fora das capitais, as quais estão sofrendo de um déficit enorme de cultura crítica, multiplicam-se as arquiteturas de ilusão. O latifúndio brasileiro não projeta nenhum futuro inteligente e belo.  Dom Sathanas

A serviço da pulsão de morte

As indignações seletivas A possibilidade de selecionar excertos dos três livros do monoteísmo poderia ter produzido os melhores resultados: bastaria basear-se na proibição deuteronômica de matar transformada em absoluto universal sem nunca tolerar uma única exceção, destacar a teoria evangélica do amor ao próximo proibindo tudo o que contradissesse esse imperativo categórico, apoiar-se em tudo e por tudo na surata corânica segundo a qual matar um homem é suprimir a humanidade inteira, para que subitamente as religiões do Livro fossem recomendáveis, apreciáveis, desejáveis. Se os rabinos proibissem que se pudesse ser judeu e massacrar, colonizar, deportar populações em nome de sua religião, se os padres condenassem quem quer se suprimisse a vida de seu próximo, se o papa, o primeiro  dos cristãos, tomasse sempre o partido das vítimas, dos fracos, dos miseráveis, dos degradados, dos excluídos, dos descendentes do povo humilde dos primeiros fiéis de Cristo; se os califas, os imãs, os aiat