Os relatos espúrios que enganam os ingênuos são acessíveis. As abordagens céticas são muito mais difíceis de encontrar. O ceticismo não vende bem.
Na cultura popular prevalece uma espécie de Lei de Gresham, segundo a qual a ciência ruim expulsa a boa.
Os levantamentos sugerem que 95% dos norte-americanos são "cientificamente analfabetos". A porcentagem é exatamente igual à de afro-americanos, quase todos escravos, que eram analfabetos pouco antes da Guerra Civil - quando havia penalidades severas para quem ensinasse um escravo a ler. É claro que existe um grau de arbitrariedade em qualquer determinação de analfabetismo, quer ele se aplique à língua, quer a ciência. Mas qualquer índice de analfabetismo próximo de 95% é grave.
Não sei até que ponto a ignorância em ciência e matemática contribuiu para o declínio da Atenas, mas sei que as consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outro período anterior. É perigoso e temerário que o cidadão médio continue a ignorar o aquecimento global, por exemplo, ou a diminuição da camada de ozônio, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento tropical, o crescimento exponencial da população. Os empregos e os salários dependem da ciência e da tecnologia.
Como podemos executar a política nacional - ou até mesmo tomar decisões inteligentes sobre nossas próprias vidas - se não compreendemos as questões subjacentes?
A ciência permite que a Terra alimente um número de seres humanos cem vezes maior, e sob condições muito menos penosas, do que era possível há alguns milhares de anos.
Podemos rezar pela vítima do cólera, ou podemos lhe dar quinhentos miligramas de tetraciclina a cada doze horas. (Ainda existe uma religião, a ciência cristã, que nega a teoria que atribui doenças a micróbios; se a oração não produz efeito, o fiel prefere que os filhos morram a lhes dar antibióticos.) [...] Renunciar à ciência significa abandonar muito mais do que ar-condicionado, o toca-disco, os secadores de cabelos e os carros velozes.
É desanimador descobrir a corrupção e a incompetência governamentais, por exemplo, mas será melhor não saber a respeito? A que interesses a ignorância serve? Se nós, humanos, temos uma propensão hereditária a odiar os estranhos, o único antidoto não é o autoconhecimento? Se ansiamos por acreditar que as estrelas se levantam e se põem para nós, que somos a razão da existência do Universo, a ciência nos presta um desserviço esvaziando nossa presunção?
Evidentemente, não há retorno possível. Querendo ou não, estamos presos à ciência. O melhor é tirar o máximo proveito da situação. Quando chegarmos a compreendê-la e reconhecermos plenamente a sua beleza e o seu poder, veremos que, tanto nas questões espirituais como nas práticas, fizemos um negócio muito vantajoso para nós.
Mas a superstição e a pseudociência estão sempre se intrometendo, aturdindo todos, fornecendo respostas fáceis, esquivando-se do exame cético, apertando casualmente nossos botões de admiração e banalizando a experiência, transformando-nos em profissionais rotineiros e tranquilos, bem como em vítimas da credulidade. Sim, o mundo seria um lugar mais interessante se houvesse UFOs escondidos nas águas profundas, perto das Bermudas, devorando os navios e aviões, ou se os mortos pudessem controlar as nossas mãos e nos escrever mensagens. Seria fascinante se os adolescentes fossem capazes de tirar o telefone do gancho apenas com o pensamento, ou se nossos sonhos vaticinassem acuradamente o futuro com uma frequência que não pudesse ser atribuída ao acaso e ao nosso conhecimento do mundo.
A pseudociência é mais fácil de ser inventada que a ciência, porque os confrontos perturbadores com a realidade - quando não podemos controlar o resultado da comparação - são evitados mais facilmente. Os padrões da argumentação, o que passa por evidência, são muito menos rigorosos. Em parte por essas mesmas razões, é muito mais fácil apresentar a pseudociência ao público em geral do que a ciência.
A pseudociência fala às necessidades emocionais poderosas que a ciência frequentemente deixa de satisfazer. Nutre as fantasias sobre poderes pessoais que não temos e desejamos ter (como aqueles atribuídos aos super-heróis das histórias em quadrinhos modernas e, no passado, aos deuses). Em algumas de suas manifestações, oferece satisfação para a fome espiritual, curas para as doenças, promessas de que a morte não é o fim. Renova nossa confiança na centralidade e importância cósmica do homem. Concede que estamos presos, ligados, ao Universo.
Como seria agradável se pudéssemos, à semelhança do folclore e das histórias infantis, satisfazer os desejos de nosso coração pelo simples ato de desejar.
As religiões são frequentemente escolas de pseudociência que têm proteção do Estado, embora não haja razão que as obrigue a desempenhar esse papel. De certo modo, é um artefato de tempos muito remotos. Em alguns países, quase todo mundo acredita em astrologia e precognição, inclusive os líderes do governo. Mas isso não lhes é simplesmente incutido pela religião; é tirado da cultura circundante em que todos se sentem à vontade com essas práticas, e encontram-se provas disso por toda parte.
A pseudociência nos Estados Unidos faz parte de uma tendência global. É provável que suas causas, perigos, diagnósticos e tratamento sejam semelhantes em toda parte. Nos Estados Unidos, os médiuns vendem seus produtos em longos comerciais de televisão, apoiados pessoalmente por artistas da TV. Eles têm o seu próprio canal, a Psychic Friends Network (a Rede dos Amigos Mediúnicos); 1 milhão de pessoas, por ano, contratam e usam essa orientação em suas vidas diárias. Para os executivos das grandes corporações, para os analistas financeiros, para os advogados e os banqueiros, há um astrólogo/vidente/médium pronto a dar conselhos sobre qualquer assunto. "Se o povo soubesse quantas pessoas, especialmente as muito ricas e poderosas, procuram médiuns, ficaria boquiaberto", disse um médium de Cleveland, Ohio. A realeza tem sido tradicionalmente vulnerável a fraudes mediúnicas. Na China e na Roma antigas, a astrologia era de uso exclusivo do imperador; qualquer emprego privado dessa arte poderosa era considerado delito grave. Provenientes do sul da Califórnia, cuja cultura é especialmente crédula, Nancy e Ronald Reagan consultavam um astrólogo sobre questões privadas e públicas - sem o conhecimento do público eleitor. Parte das decisões que influenciam o futuro de nossa civilização está visivelmente nas mãos de charlatães. Se existir, a prática está relativamente em surdina nos Estados Unidos; o seu palco é o mundo inteiro.
Carl Sagan
1934 - 1996