Durante séculos, a ciência tem estado sob uma linha de fogo que, melhor do que pseudociência, pode ser chamada de anticiência.
A história é em geral escrita pelos vencedores para justificar as suas ações, para despertar o fervor patriótico e para eliminar as reivindicações legítimas dos vencidos. Quando não se dá nenhuma vitória esmagadora, cada lado redige relatos autopromocionais acerca do que realmente aconteceu.
A nova ideia darwiniana pode ser virada pelo avesso e grotescamente mal empregada: magnatas ladrões e vorazes podem explicar suas práticas criminosas invocando o darwinismo social; os nazistas e outros racistas podem recorrer à "sobrevivência do mais forte" para justificar o genocídio. Mas Darwin não criou John D. Rockefeller, nem Adolf Hitler. A ganância, a Revolução Industrial, o sistema de livre empresa e a corrupção do governo pelos endinheirados são adequados para explicar o capitalismo do século XIX. O etnocentrismo, a xenofobia, as hierarquias sociais, a longa história do antissemitismo na Alemanha, o Tratado de Versalhes, as práticas de educação das crianças alemãs, a inflação e a Depressão parecem adequados para explicar a ascensão de Hitler ao poder. Muito provavelmente, esses acontecimentos ou outros semelhantes teriam ocorrido com ou sem Darwin. E o darwinismo moderno deixa bem claro que características muito menos cruéis, algumas nem sempre admiradas pelos magnatas ladrões e pelos Fuhrers - altruísmo, inteligência geral, compaixão - podem ser a chave para a sobrevivência.
Os ideólogos ardorosos e os regimes autoritários acham fácil e natural impor as suas opiniões e reprimir as alternativas. Os cientistas nazistas, como o físico Johannes Stark, laureado com o Nobel, distinguiam a "ciência judaica" imaginária e fantasiosa, inclusive a relatividade e a mecânica quântica, da "ciência ariana" realista e prática. "Uma nova era de explicação mágica do mundo está chegando", disse Adolf Hitler, "uma explicação baseada na vontade, mais que no conhecimento. Não existe verdade, seja no sentido moral, seja no sentido científico".
Parece impensável que uma ideologia referendada pelo Estado ou um preconceito popular tenha impedido o progresso científico. Há duzentos anos, os norte-americanos têm se orgulhado de ser um povo prático, pragmático e não ideológico. Entretanto, a pseudociência psicológica e antropológica tem florescido nos Estados Unidos - por exemplo, sobre a questão da raça. Sob o pretexto de "criacionismo", continua a ser feita uma séria tentativa de impedir que a teoria da evolução - a ideia integradora mais poderosa de toda a biologia, essencial para muitas outras ciências que vão desde a astronomia até a antropologia - seja ensinada nas escolas.
Carl Sagan
1934 - 1996