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A guerra populista contra a história


Por que os líderes populistas querem perdoar, distorcer ou desviar a história real do nazismo e do fascismo? Porque, como líderes bebem na fonte da ideologia, retórica e táticas fascistas, eles precisam neutralizar a história do fascismo, a fim de normalizar suas políticas. A revisão da história do fascismo a torna mítica em vez de histórica, sugerindo que o fascismo do passado não era ruim - ou que não era sequer fascismo. Isso é, claramente, uma mentira.

Reescrever a história é, portanto, essencial para o projeto populista. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro está fazendo isso não só com os nazistas, mas também com a história de seu próprio país. Para aqueles que se preocupavam com a defesa de Bolsonaro da violência política e com seu desejo de expandir os poderes da presidência, seu esforço em camuflar o passado ditatorial do país foi um sintoma de um padrão mais amplo - e profundamente inquietante - de mentira populista sobre a história.

Nesse mundo revisionista, as visões mais irracionais, messiânicas e paranoicas são apresentadas desonestamente como História.

Como Trump, o estilo e a substância de Bolsonaro, banhados em violência política, chauvinismo nacional e glorificação pessoal são características fascistas essenciais.

Políticas de discriminação, violência e desigualdade crescentes.

Ideias de violência e guerra estavam intimamente relacionadas à fé religiosa que esses líderes exigiam de seus seguidores, utilizando símbolos e linguagem a partir dos textos e liturgia cristãos para retratar a si mesmos como redentores dos tempos modernos. Essa é uma das razões pelas quais essas percepções de perseguição os animam.

O pano de fundo de todos esses casos é uma noção da verdade inteiramente incorporada numa história mais longa das mentiras fascistas. 

A apresentação desses líderes como enganadores ridículos, uma ideia concentrada em seu estilo e não no conteúdo ideológico racista e profundamente violento de suas mensagens, revelou-se uma distração das consequências reais de sua práticas e políticas. Essa concepção errônea dos líderes fascistas como doentes mentais também funcionou, imprecisamente, para separar os líderes "anormais" de seus seguidores, supostamente confusos, porém são. E dissociou a ideologia política, incluindo o racismo e o antissemitismo, assim como as mentiras fascistas, da análise política, resultando numa incapacidade de criar uma oposição clara e eficaz contra as agendas desses líderes.

Essa tendência de usar enfermidades mentais ou distúrbios psiquiátricos como uma explicação para as mentiras e ações de tais líderes aumenta a incompreensão geral sobre os motivos que os tornam bem-sucedidos: um impulso narcísico que os converte em figuras geniais veneradas, vozes absolutas do povo que conhecem melhor que o próprio povo o que ele, o povo, realmente quer. Eles detêm a "verdade", uma verdade que nada tem a ver com corroboração e demonstração empírica.

Ao apresentar líderes irracionais como loucos, trapaceiros ou ambos, marcam-se alguns pontos políticos mais fáceis. Entretanto, a longo prazo, um foco na insanidade do líder mitômano, e não na ideologia mítica dele e de seus seguidores, ofusca o fato mais importante em relação à sua liderança: suas mentiras fundamentalmente autoritárias e sua fantasias racistas sobre o mundo se tornam constantemente normalizadas e defendidas por um vasto segmento de pessoas, assim como por membros de partidos.

O desprezo e as explicações simples sobre a estupidez dos fraudadores autoritários e seus ingênuos seguidores, na verdade, não esclarecem grandes coisas. Ao contrário, isso é sintomático de uma recusa a entender aquilo de que podemos não gostar: a encarnação mítica da verdade que conduz a sua dizimação. Trump é um populista extremo com uma agenda xenófoba e anti-igualitária. Políticas programáticas e vitórias eleitorais contra ele são mais importantes para a vida democrática atual e futura do que a avaliação de seu estado psiquiátrico ou do que estereotipá-lo como um vigarista. Ele não mente por ser um louco trapaceiro; ele mente por pertencer a uma tradição política que propõe uma noção alternativa da verdade que emana de uma sagrada infalibilidade do líder. O racismo e a misoginia que brotam da Casa Branca são políticas, tentativas de transformar a realidade de maneira a aproximá-la da fantasia. Isso não pode ser ignorado.

O trumpismo representa uma forma extrema do pós-fascismo, uma democracia antiliberal, autoritária e frequentemente anticonstitucional com um raciocínio político próprio. Trata-se de uma formação política com uma noção mítica da verdade. Como os fascistas, os populistas substituem a verdade histórica por ideias falsas sobre um passado glorioso que seus líderes prometem ressuscitar. Esse é o contexto para se entender o vazio histórico de uma expressão como "Make America Great Again". O líder traz de volta à vida um passado que jamais existiu. Isso estava no centro da fabricação fascista da verdade. E é também uma força motriz crucial do populismo moderno de direita.

A devoção inquietante desses políticos e mentira míticas cada vez mais extremas deveria ser um sinal de alerta, para aqueles que acreditam na democracia, de que é necessário resistir ao iliberalismo crescente e aos renovados impulsos fascistas, não apenas por meio dos votos e protestos, mas também através da defesa da história.

F. F. 


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