Não é isso que nos diferencia, que não encontremos nenhum deus, seja na história, seja na natureza ou por trás da natureza - mas sim que não experimentemos como "divino" o que foi venerado como deus, e sim como miserável, como absurdo, como nocivo, não apenas como erro, mas como crime contra a vida... Negamos deus como deus... Se esse deus dos cristãos fosse provado, creríamos nele menos ainda. - Numa fórmula: deus, qualem Paulus creavit, dei negatio. - Uma religião como o cristianismo, que em nenhum ponto tem contato com a realidade, que desmorona tão logo a realidade afirma seu direito num só ponto que seja, deve naturalmente ser inimiga mortal da "sabedoria do mundo", isto é, da ciência - aprovará todos os meios pelos quais a disciplina do espírito, a integridade e o rigor em ciências do espírito, a nobre liberdade e frieza do espírito puder ser envenenada, caluniada, desacreditada. A "fé" como imperativo é o veto contra a ciência - na prática, a mentira a todo custo... Paulo compreendeu que a mentira - que a "fé" era necessária; mais tarde a igreja compreendeu Paulo. - O "deus" que Paulo inventou, um deus que arruína a sabedoria do mundo (em sentido estrito, as duas grandes adversárias de toda superstição, a filologia e a medicina), é, na verdade, apenas a resoluta decisão do próprio Paulo: chamar "deus" sua própria vontade, torah, isso é primordialmente judaico. Paulo quis arruinar a sabedoria do mundo: seus inimigos foram os bons filólogos e médicos de formação alexandrina - contra eles fez a guerra. Na verdade, não se é filólogo e médico sem ser também anticristão. Como filólogo, olha-se por trás dos "livros sagrados"; como médico, por trás da degeneração fisiológica do cristão típico. O médico diz incurável; o filólogo, fraude...
Friedrich Nietzsche
1844 -1900