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Os crentes

 

E se tem coisa que eu tenho birra é cantoria de crente. Não posso nem ver!

Quando estou na cidade e um bando deles me cerca com a estória de salvação da alma, saio no sarrafo:

- Sou comunista!

Eles me olham espantados e eu ainda acrescento, olhando pra mocinha que eles carregam junto:

- Tesãozinha!

Ficam uma arara, mas como crente não pode xingar, têm que engolir.

Mas tô na minha. Nunca fui encher o saco de ninguém pra acreditar nas minhas ideias. Nunca fui dizer pra ninguém aprender a beber, a fumar e a farrear. Cada um que faça o que gosta e não encha o saco do próximo que já está salvando a sua alma.

E vai que hoje de manhã entro no ônibus e uma penca de crentes se levanta e começa a esgoelar aquelas músicas que o senhor é meu pastor e nada me faltará.

Meu! Fique uma arara porque na minha vida andou faltando tudo.

Arrumei a garganta e fui cantando com um vozeirão de puxador de samba do Império Serrano:

Sou maconheiro,
sou macumbeiro,
ando duro o ano inteiro e
tem dois anos que não sei o que é dinheiro!

No breque do samba, ainda cutuquei a costela de uma deles de bibliazinha embaixo do braço:

- Faz a segunda voz, aí!

Ariosto Augusto de Oliveira
1987


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